quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A GEOPOÉTICA DE EUCLIDES DA CUNHA


A geopoética de Euclides da Cunha, de Ronaldes de Melo e Souza, é uma visão totalmente nova sobre a obra euclidiana. Geopoética significa poética da terra. A expressão inédita corresponde à originalidade da ficção narrativa de Euclides da Cunha no contexto literário nacional e internacional. A novidade se fundamenta na interpenetração dinâmica do vigor da inspiração artística e do rigor científico da reflexão, decorrente do projeto euclidiano do consórcio da ciência e da arte. A observação sem imaginação não se legitima.




A tese da poética da terra é demonstrada através da correlação que Ronaldes estabelece entre a diversidade da terra e a heterogeneidade do narrador. A invenção euclidiana do narrador multiperspectivado promove o intercâmbio dialógico dos discursos poéticos, filosóficos e cientifícos. Para se haver com a multplicidade da potência telúrica, o narrador se desdobra em diversas máscaras narrativas. A singularidade do estilo narrativo euclidiano é depreendida por Ronaldes na interação dialética entre a consciência crítica da razão, exercida pelo narrador, e a experiência passional da imaginação, dramatizada nos refletores ou máscaras narrativas. Observador itinerante, pintor da natureza, encenador teatral, investigador dialético, refletor dramático e historiador irônico são denominações que Ronaldes de Melo e Souza propõe para viabilizar a compreensão de Os sertões. Plural desde o título, o livro solicita um enfoque transdisciplinar, capaz de suplantar os estudos norteados por um ponto de vista único, seja ele literário ou científico.
Não há nada fixo no universo euclidiano. Tudo se representa em formação e transformação. No prólogo dramático de Os sertões, a própria terra se manifesta em gestação, e a excessividade da força telúrica é o motivo indutor e condutor de sua obra inacabada sobre a selva amazônica. Um paraíso perdido se apresenta como ato cosmogônico em devir. Na ficção narrativa de Euclides da Cunha, demonstra Ronaldes, narrar significa invencionar a nação. Equacionando narração e nação, Euclides elabora uma obra comprometida com o projeto emancipatório do homem genuinamente brasileiro.
De acordo com a tese de Ronaldes, ao fazer da Terra, concebida como a vasta metamorfose de um organismo vivo, a protagonista de sua obra, Euclides supera a tradição do conhecimento ocidental-europeu, que se define na antiga separação do espírito e da natureza e na moderna dicotomia do sujeito e do objeto. A escola a que se filia Euclides da Cunha pertence a um pequeno número de pensadores e poetas que permaneceram à margem da cultura hegemônica do Ocidente. O grande mérito de A geopoética de Euclides da Cunha é inscrever a revolução euclidiana na cintilante linha da fantasia filosófica de Vico, do poetar pensante de Goethe, da imaginação transcendental de Fichte, da correlação da ciência e da arte de Alexander von Humboldt e da ironia romântica de Friedrich Schlegel. Somente depois das várias desconstruções da metafísica e do advento do novo espírito científico delineado por Gaston Bachelard, é que se prepara o consórcio da ciência e da arte, já advogado e realizado por Euclides da Cunha. Esta presciência e espantosa modernidade do escritor fluminense são exaustivamente argumentadas e explicitadas por Ronaldes de Melo e Souza em A geopoética de Euclides da Cunha.

Profª Maria Lucia Guimarães de Faria


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