terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Lançamento » "Livro ou livro-me: os escritos babilônicos de Helio Oiticica"


Escrever sobre o não escrito, ou melhor, escrever sobre o que foi escrito, mas não chegou à edição final. Escrever sobre o(s) processo(s) da escrita, sobre o desejo de escrita, sobre a necessidade de trazer a escrita para perto do vento do pensamento, do impulso de invenção que atravessa o corpo tocado pelas ideias. Hélio Oiticica foi um artista plástico que viveu cercado por livros, teorias, debates; gostava de escrever e, acima de tudo, sabia escrever.

Era um intelectual sem o ranço esnobe da erudição vazia. Gostava de Ezra Pound e Jimmy Hendrix, acreditava no vínculo secreto e originário entre poesia, música e dança. Sabia também, daí muito de sua revolta e dor, que nosso mundo rasurara o trágico em nome do happy end.

Nada melhor para Oiticica do que ser abordado pelas beiradas, sem medo de cair dentro do coração de sua obra: os textos. Nada melhor do que não ser lido (apenas) pelo viés da história e da crítica de arte. Ter um (não) intérprete formado em história, pesquisador de música e cultura brasileira, DJ, cujo doutorado em literatura apostou na escrita do artista. O maior mérito deste livro de Frederico Coelho é o de resgatar um projeto inacabado e dar-lhe um tratamento à altura, ou seja, deixá-lo na latência viva das possibilidades em aberto.

Como seu “objeto”, o autor tem paixão de arquivista, com seus rigores e obsessões, mas é mobilizado pela exterioridade do mundo, suas dispersões e pulsão de vida. Para muitos, o período nova-iorquino de Hélio Oiticica (1971-1978) teria sido de diluição e esterilidade criativas. O que se mostra aqui é justamente o contrário: foram anos de enorme efervescência, nos quais o artista plástico assumia sua veia literária, já esboçada em seus anos de formação, mas ganhando ali uma intensidade singular.

A estrutura do livro se monta sobre duas atividades e um desejo: o ler, os escritos e o livro. No interior desse percurso, costurando a aventura intelectual que alimentava o cotidiano do artista em seus ninhos-gabinetes de criação, o diálogo franco, produtivo e caótico com quatro personagens fundamentais da vida cultural brasileira: os irmãos Campos, Silviano Santiago e Wally Salomão. De cada um, tendo em vista as diferenças de temperamento e formação, Oiticica absorvia energia poética e incorporava inventividade e rigor ao seu desejo de escrita, à sua ânsia de leitura, ao seu prazer de pensar/criar/viver no limite da experimentação e do exercício da liberdade.

Frederico Coelho nos põe neste livro diante de um Livro que não foi publicado, que se desdobrou em cartas, poemas, artigos, ensaios, anotações, comentários – tudo arquivado e catalogado –, que se tornou um conglomerado de ideias e manteve sempre a esperança de um dia ganhar forma. Como não poderia deixar de ser, o inacabamento alimentou outras possibilidades de escrita e encontrou nesta tese, agora livro, uma concreção singular. Abriu-se aqui um horizonte interpretativo para os escritos do artista e para a devida compreensão da dispersão criativa (de uma geração) que buscava oxigênio para um mundo intoxicado por ideologias/categorias cegadas pelas circunstâncias.

Abriu-se um novo campo de leitura para a obra de Oiticica.


Luiz Camillo Osorio
Crítico de arte / Professor PUC/RJ

Livro ou livro-me: os escritos babilônicos de Helio Oiticica
Frederico Coelho
ISBN: 978-85-7511-185-7 140x210 mm 298 páginas
Preço: R$ 35,00

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