quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Entrevista: Fred Coelho e a Cultura Marginal





Após revolucionar a estética brasileira dos anos 60 propondo uma “imagem brasileira” aos Movimentos de Vanguarda, a obra de Hélio Oiticica continua provocativa. A impressão existente é que, quanto mais se imagina conhecer a essência dos movimentos culturais dos anos 60 e 70, postulados como contracultura, cultura marginal ou, ainda, tropicália; torna-se de fato imperativo um mergulho no universo e obra do artista plástico carioca. Hipótese que se confirma em cada palavra de Fred Coelho, autor de Livro ou Livro-me: os escritos babilônicaos de Hélio Oiticica (1971 – 1978), que a EdUERJ lança no próximo sábado, 11 de dezembro, às 17 horas, na Galeria Largo das Artes, localizada à rua Luis de Camões, 02, Largo de São Francisco, Centro, Rio de Janeiro.
O escritor conversou com o Blog da EdUERJ, falou sobre sua carreira, sua relação com a obra do artista plástico e as descobertas que o impulsionaram a transformar suas pesquisas nesse livro.


Blog da EdUERJ - Qual a sua relação com a contracultura?
Fred Coelho - Minha relação com a contracultura iniciou de forma pessoal e desaguou em meu trabalho profissional. Eu já tinha, desde a discoteca do meu pai, e através de amigos da adolescência, forte ligação com a música tropicalista e tudo que circundava o movimento musical naquele período. Ouvia Caetano, Gil, Mutantes, muito Novos Baianos etc. Na universidade – sou formado em História pelo IFCS – tive grandes amigos que me apresentaram uma série de livros, discos, filmes e outras informações ligadas ao universo da contracultura brasileira. Assim, por volta dos vinte anos, eu passei a ler compulsivamente Torquato Neto, Waly Salomão; a me interessar pelo trabalho de Hélio Oiticica, a consumir os livros dos Irmãos Campos, os discos de Jards Macalé, a Navilouca e outras informações da época. Desde então, voltei meus estudos para esse universo. Minha ideia sempre foi de repensar o papel menor ou lateral que esse grupo e essas obras detinham no debate sobre a história cultural recente do Brasil.

BE - E a arte e a poesia marginal?
FC - Foi o tema da minha dissertação de mestrado e que acaba de ser publicada em livro pela Civilização Brasileira. O título é: Eu, brasileiro, confesso minha culpa e meu pecado – cultura marginal no Brasil dos anos 1960 e 1970. A ideia de uma arte – e uma poesia, uma imprensa, um cinema – marginal, como disse, sempre me fascinou. Interessei-me em estudar justamente o porquê dessas manifestações serem chamadas de “marginais” e como pensá-las a partir de seu papel no debate sobre a história cultural brasileira. Incomodava-me a forma como davam ao tropicalismo musical uma centralidade hegemônica nesse debate, deixando sempre os artistas e obras ditas marginais, literalmente, à margem dos principais livros, publicações e reflexões sobre o período.

BE - E quando surge o seu interesse pela obra de Hélio Oiticica?
FC - A obra de Oiticica, desde o período em que passei a me interessar por Cultura Marginal, foi ocupando um espaço cada vez maior na minha vida pessoal e intelectual. Quando fiz o trabalho do mestrado, o personagem principal, no início, era Torquato Neto. Ao longo da pesquisa, porém, Oiticica foi literalmente crescendo e aparecendo como um dos ou talvez o principal artista e intelectual desse grupo que estudava. Além disso, a potência estética e crítica de sua obra, os milhares de escritos e a penetração de seu pensamento dentre sua geração fez com que ele se tornasse incontornável nos próximos passos do meu trabalho.

BE - Como surgiu a idéia de fazer o Livro?
FC - O livro é fruto da minha tese de doutorado, realizada no Departamento de Pós-Graduação em Literatura da PUC-Rio. Incialmente, a tese seria dedicada exclusivamente à relação de Oiticica com a leitura e a escrita, isto é, a base da prática literária. Meu interesse era apurar como um artista visual se aproximava desse espaço da fabulação e da escritura. Só que o escopo dessa tarefa era ainda gigantesco, devido às inúmeras conexões que a obra de Oiticica apresenta com tais práticas. Assim, buscando um recorte mais enxuto, um objeto mais palpável para pensar essa questão, eu o encontrei delineado pelo próprio artista entre os documentos do seu arquivo um projeto de Livro que ficou incompleto. Incompleto, porém pleno de pistas, de pedaços, de projetos. Passei a esmiuçar esse projeto de “Livro na obra de Oiticica” e vi que ele foi praticamente gestado em sua plenitude durante o período em que o artista carioca vivia em Manhattan (1971-1977). Havia, enfim, encontrado meu objeto, dentro de um recorte mais concreto: o projeto de um Livro de Oiticica durante sua estadia em Manhattan. Essa foi a ideia da tese, que hoje se torna o livro da Eduerj.

BE - E como você situaria seu “Livro ou Livro-me...” dentro do mercado editorial brasileiro atual?
FC - Creio que devo responder isso em duas perspectivas.
Na primeira, em relação ao mercado editorial brasileiro como um todo, acho que o livro vai ocupar um espaço cada vez maior de publicações que conseguem romper o cerco do meio acadêmico e circularem dentre públicos mais amplos do que aqueles que têm acesso restrito às teses e dissertações. Hélio Oiticica é uma figura em plena ascensão tanto no meio das artes quanto fora dela, e por isso o livro poderá ser absorvido a partir dessa expectativa por mais informações sobre o artista carioca. Além disso, há um interesse editorial crescente sobre o próprio mercado de arte brasileiro e é muito bom que a Eduerj esteja com este e outros livros ocupando esse espaço.
Já na segunda perspectiva, isto é, na perspectiva dos livros dedicados exclusivamente a Hélio Oiticica (que crescem cada vez mais no país e no mundo), o meu livro vem preencher uma lacuna relativa ao papel da literatura e da prática escritural em sua obra. Como não foi feito no âmbito da crítica ou da história da arte, apresento um olhar mais plural sobre seus textos, pratico a divulgação de documentos raros de se verem fora do universo de especialistas e proponho um mergulho mais fundo no período de Nova York, época em que boa parte da crítica de arte ignora na trajetória de Oiticica. Esses pontos que, creio, fazem com que este livro possa ter uma vida editorial vigorosa também dentre os interessados do tema.

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